
O Xadrez além das 64 casas.
Olá pessoal!
Mês passado foi realizado aqui na cidade onde moro (Mogi Guaçu/SP) a 95ª Etapa do Circuito Solidário de Xadrez. E mais uma vez fui ao torneio com a função de treinador, já que alguns alunos estavam participando do torneio.
Ao final do evento, durante uma conversa empolgada com amigos antigos do xadrez, um deles me fez um questionamento bastante pertinente: - Flávio, tenho jogado muitas partidas que fico bem na posição, inclusive com vantagem material, mas não sei o motivo, no final não consigo converter a vantagem e vencer. O que pode ser? E o que fazer para isto não ocorrer mais?
Pois bem! Respirei, sorri e respondi suas perguntas. Ao chegar a casa, matutei um pouco e decidi escrever este post. E para me ajudar, uma semana depois deste bate-papo joguei o Aberto do Brasil, também realizado aqui em Mogi Guaçu. E em algumas partidas que joguei surgiram justamente situações relacionada à minha resposta dada uma semana antes. Então abaixo compartilho minhas respostas, utilizando como exemplo partidas minhas deste torneio.
O que é e o que fazer.
Expliquei para o meu amigo que para mim era claro que o problema era emocional/psicológico. E que o primeiro ponto que precisava ser trabalhado era a reação dele ao final da partida.
Por exemplo: Fiquei com dois (2) peões de vantagem e totalmente ganho, mas não ganhei. Se ao final da partida eu penso “a partida estava ganha”, é um pensamento equivocado. Pois se realmente estava ganha, porque então você não ganhou?
Sei que é estranho, mas somos tão acostumados a pensar que toda posição vantajosa é ganhadora, que nos habituamos a sempre pensar desta forma ao final da partida. Então para mim o pensamento correto neste caso é o de se questionar o que faltou para a posição não ser convertida em ganho?
- Foi problema com o tempo? Isso ocorre muito com jogadores que não conseguem administrar bem o tempo.
- Foi excesso de confiança? Ao ficar com vantagem material, simplesmente parei de calcular.
- Foi subestimar o adversário? Já que meu adversário tinha cometido vários erros, não imaginava que ele poderia se salvar e desta forma fiquei relaxado.
Acima são apenas alguns exemplos, que agora quero exemplificar para vocês na pratica, via duas partidas jogadas no torneio.
1ª posição.
Observe o diagrama abaixo e reflita por alguns minutos. Para você quem esta melhor?
Se a resposta foi às brancas, você esta correto! As brancas estão totalmente ganhas na posição, já que estão com melhor desenvolvimento, mais espaço para manobrar suas peças e contam com a fraqueza das casas claras e fraqueza do Rei pelo lado das negras.
Só que agora vou compartilhar o cenário desta posição para vocês. A partida já estava com quase 4h de duração. Eu, com as negras, estava desesperado para ir ao banheiro, mas tinha apenas 7 minutos no relógio, contra cerca de 40 minutos do meu adversário. Então pensei 1 minuto e joguei o meu Bispo em “a3”, me levantei e fui ao banheiro. Ao voltar, eu tinha cerca de 4 minutos e meio, e no tabuleiro meu adversário estava me entregando um Cavalo limpo, após ter jogado Cg5.
Certo. Mais uma vez investi 1 minuto e capturei o Cavalo. Chegando na posição abaixo. E novamente pergunto, como você a avalia?
Aqui se sua resposta foi: tem jogo ainda. Você esta correto! Pois, por incrível que pareça a engine diz que mesmo com o Cavalo a menos as brancas conseguem jogar, meu adversário inclusive encontrou o plano que complica a posição, conforme compartilho abaixo (na análise da posição). Só que passado dois lances, sem encontrar o plano correto, e vendo que aparentemente as negras se defenderam, ele simplesmente entregou outra peça e desistiu.
Aqui, você pode estar pensando: Flávio, como você teve sorte! Sinceramente não vejo desta forma. Claro que ganhar é bom. Só que busco olhar para o contexto geral. E para mim, nesta partida ficou muito claro que meu adversário jogou muito melhor que eu, jogando a abertura corretamente e me colocando sérias complicações. Só que na questão emocional eu estive a frente dele. Pois apesar de muito pior na posição, eu não me desesperei. Já ele se equivocou, cometeu um erro, e em seguida em vez de utilizar o seu tempo para respirar, aceitar que cometeu um erro, mas compreender que ainda havia problemas para eu resolver, propôs uma troca de Dama que perdia imediatamente.
2ª partida.
Nesta segunda partida que trago. O ponto forte a ser observado é a falta de confiança demonstrada por mim. Já que desde os primeiros lances eu tive oportunidades de seguir linhas que me davam vantagem de espaço e iniciativa para buscar a vitória. Só que apesar de visualizar a maioria destas linhas, eu desisti de jogá-las, pois por jogar apenas 4 partidas das 6 realizadas no torneio e estar enfrentando um jogador que sabia que estava muito mais ativo que eu nos torneios, o meu pensamento era de: O empate é um bom resultado, pois me garante o top-10, além de sair do torneio ganhando alguns pontos de rating.
Sei que não é correto pensar e jogar desta forma (inclusive já escrevi sobre isto aqui no blog). Só que devido ao meu momento, sei que era o que precisava ser feito. E por mais que tenha deixado de seguir a minha própria recomendação, no fundo esta partida me fez reencontrar um pouco da confiança que a alguns meses estava bem perdida.
Abaixo deixo a análise da partida. E desejo um belo estudo e um bom divertimento.