
O problema mais antigo da história do xadrez
No livro O jogo imortal: uma história do xadrez de David Shenk (The immortal game: a history of chess no título original, disponível na Amazon), aprendi que a abertura evolutiva do jogo de xadrez remonta ao jogo chatrang, que era jogado ao longo da Rota da Seda no oriente. Este jogo evoluiu pela prática até que, na Pérsia do século VII d.C., deu origem ao shatranj, que é o antepassado imediato do xadrez. O shatranj era um jogo de tabuleiro com 64 casas e 32 peças, cujos movimentos eram iguais ou semelhantes aos das peças atuais do xadrez. Por volta de 840 d.C., o grande jogador al-Adli escreveu O livro do shatranj, que é o primeiro livro de estudo de problemas e lances enxadrísticos de que se tem registro. Sabemos da existência deste livro pelas citações feitas por autores posteriores. Um dos problemas formulados por al-Adli envolvia peças que se movimentavam da mesma forma que o xadrez moderno e, portanto, é o mais antigo problema de xadrez de que se tem notícia.
O problema de al-Adli é representado pelo diagrama abaixo:
O próximo movimento é das brancas e o problema é como dar xeque-mate nas pretas em apenas três lances.
Você conseguiu resolver o problema? Eu não consegui. No meu embate com o problema de al-Adli, ele venceu. A solução é contraintuitiva, pois envolve o sacrifício do cavalo e de uma torre das brancas que o jogador normalmente busca proteger. Assim, a solução é: 1. Ch5+ Txh5 2. Txg6+ Rxg6 3. Te6++. Em 1. Ch5+, o Cavalo das brancas se arremessa em um xeque aparentemente sem sentido, pois facilmente defendido pela torre preta com 1. … Txh5. Não satisfeitas em perder material, as brancas se lançam em um novo ataque kamikaze com 2. Txg6+, com um xeque facilmente refutado pelas pretas com 2. … Rxg6. As brancas devem ter perdido o juízo ao entregarem uma valiosa torre em troca de nada. Até aqui, os movimentos das brancas parecem ter saído da mente de um iniciante como eu. Somente no terceiro lance é que a tática das brancas rouba o sorriso das pretas com a torre branca saltando das profundezas de e1 para 3. Te6++. O rei das pretas está sob ataque direto da torre em e6 e não tem casas livres para escapar, pois o rei branco em g8 prepara o leito de morte do monarca das pretas atacando as casas f7, g7 e h7, e o empurrão derradeiro é dado pelo peão branco atacando g5. Conclusão: as brancas renasceram das cinzas para aplicar um surpreendente xeque-mate!
Veja cada uma das etapas da solução no diagrama abaixo:
Com esse problema, al-Adli parece ter inaugurado o tom que seria empregado dali em diante pelos especialistas em problemas enxadrísticos: criar um problema dificílimo à primeira vista, mas cuja solução, uma vez conhecida, parece simplíssima. Além da elegância da solução, o problema de al-Adli é a prova histórica de que há mais de mil anos os compositores criam problemas que desafiam os enxadristas a queimar pestana em busca de uma solução. Vida longa ao xadrez e aos seus problemas!
Ass. LeBonChess