
O Xadrez na Guerra Fria. EUA vs URSS nos Tabuleiros. Parte II
Depois de finalmente vencer o Torneio de Candidatos, em 1971 — e com um rendimento assustador (leia a história aqui) —, o americano Bobby Fischer ganhou o direito de desafiar o então campeão mundial, o russo Boris Spassky. Foi o ponto culminante da rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética no xadrez.
Enquanto o mundo aguardava ansiosamente a abertura do evento, nos bastidores, por mais de uma vez ele quase foi cancelado. O principal motivo foi a animosidade acerca do local de realização do match. Várias cidades se voluntariaram para sediá-lo; após negociações, a Federação de Xadrez dos EUA, presidida pelo coronel Ed Edmondson, concordou em as partidas se dividirem entre Belgrado (na Iugoslávia), que tinha oferecido o maior prêmio e, por esse motivo, era a opção preferida de Fischer; e Reiquiavique (na Islândia), que tinha oferecido um prêmio menor, mas era a opção preferida de Spassky — saiba daqui a pouco o porquê.
Na imagem: Ed Edmondson, coronel da Força Aérea e presidente da Federação dos EUA. Ele tinha a missão de colocar um americano no trono do xadrez, e acreditava em Fischer.
O pagamento do prêmio também seria dividido entre as duas cidades, e ficou estipulado em 138 mil dólares, a média dos valores oferecidos por Belgrado (US$ 150 mil) e por Reiquiavique (US$ 125 mil).
Parecia que as condições do confronto tinham se resolvido. Porém, ao tomar conhecimento do acordo assinado pela Federação dos EUA, Fischer ficou furioso, se manifestou dizendo que não jogaria na Islândia e exigiu cuidar pessoalmente das futuras negociações relacionadas ao Campeonato Mundial.
Os iugoslavos, ao saberem da recusa de Fischer, entraram em pânico, pois já tinham investido pesadamente nos preparativos para o evento e esperavam recuperar o dinheiro com a venda dos ingressos. Para continuarem preparando a recepção, eles exigiram, como garantia, um depósito da Federação de Xadrez dos EUA, que não foi realizado. Já os islandeses ignoraram a declaração de Bobby e se impuseram, exigindo que o match acontecesse lá.
O presidente da Federação Internacional de Xadrez (FIDE), Max Euwe, respondeu a Fischer com um ultimato: ou ele aceitava os termos (jogar parte do match na Iugoslávia e o restante na Islândia) até uma determinada data, ou abria mão de seu direito como desafiante do título mundial.
Na imagem: o ex-campeão mundial e ex-presidente da FIDE Max Euwe. Ele gostava de Fischer e previa que ele venceria Spassky, mas sua principal preocupação era que o match acontecesse e não há motivos para acreditar que Euwe favoreceu o americano.
O que Fischer fez foi o que qualquer celebridade faria: jogou a situação nas mãos de seu advogado. Este emitiu uma nota tranquilizadora, declarando que Fischer estava pronto, desejoso e esperando para jogar (desde que suas condições fossem atendidas…). Mas isso não era o que Euwe tinha exigido e, quando o prazo para Fischer aceitar os termos expirou, os soviéticos pressionaram para que o presidente da FIDE cumprisse sua ameaça.
Foi então que a Federação de Xadrez da Islândia teve uma ideia: aproveitou a hesitação dos iugoslavos para se oferecer como abrigo para o match inteiro. Tudo continuaria perfeitamente: Fischer e Spassky compareceriam em Reiquiavique, jogariam suas partidas, e, ao final, a cidade pagaria o prêmio de US$125 mil, a ser repartido entre o campeão (5/8) e o vice-campeão (3/8).
Euwe deu uma última chance para Fischer aceitar a proposta, e este finalmente concordou. Ou seja, no fim da história, a teimosia do norte-americano serviu apenas para diminuir o valor do prêmio, e ele teve de aceitar jogar a totalidade das partidas onde não queria.
Na imagem: a Islândia em destaque no globo. O local tinha um simbolismo importante, estando situado a meio caminho entre as duas superpotências da Guerra Fria.
Com a sede definida, a abertura do match ficou marcada para junho de 1972. Spassky, que nasceu em Leningrado, numa latitude próxima a de Reiquiavique, já estava acostumado às temperaturas baixas o ano todo e aos dias com claridade prolongada no verão, que vai de junho a agosto no Hemisfério Norte. Ele chegou com antecedência à cidade.
Quanto a Fischer, o dia da abertura ficava cada vez mais próximo, e nenhum sinal dele. O motivo: uma nova disputa tinha surgido, novamente por causa de dinheiro. O dono de uma emissora de TV norte-americana havia comprado os direitos de transmissão das partidas. Fischer alegou que nunca tinha autorizado sua exibição na televisão e queria uma fatia do valor arrecadado com a venda dos direitos.
Na imagem: Bobby Fischer. De acordo com um jornalista que cobria o Campeonato Mundial de 1972 para o Sunday Times: "Bobby é um gênio, mas como propagandista do mundo livre é um tanto contraproducente".
O dia da cerimônia de abertura chegou, sem a presença de Fischer. A delegação russa pressionou Spassky a exigir a desqualificação do americano, mas o russo negou, provavelmente porque ele realmente queria que o match acontecesse. A curiosidade de Spassky queria o desencargo de consciência de saber qual dos dois era melhor no tabuleiro.
A embaixada americana na Islândia foi acionada e enviou um telegrama a Washington, advertindo que o não comparecimento de Fischer arruinaria a imagem dos Estados Unidos naquele ponto estratégico. O assunto chegou ao secretário de estado americano, Henry Kissinger, que telefonou para Fischer, mas ainda não conseguiu convencê-lo a embarcar no avião rumo a Reiquiavique.
Finalmente, um ousado magnata britânico, Jim Slater, quis se promover entrando no caso. “Quero tirar o problema do dinheiro da frente de Fischer e ver se ele tem alguma outra questão”, disse o milionário. E fez uma doação dobrando o prêmio para 250 mil dólares. “Se ele não está com medo de Spassky, então eu eliminei o elemento do dinheiro”, concluiu.
A combinação de Kissinger e Slater persuadiu Fischer a pegar um voo para Reiquiavique. Agora nada mais impediria o mundo de saber quem era melhor no xadrez.
Será?
Parte 3 em breve