Como aprender a jogar xadrez?
Reflexões de um iniciante no mundo do xadrez

Como aprender a jogar xadrez?

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Eu aprendi a jogar xadrez quando ainda era criança, acho que com menos de dez anos de idade. Conhecia as regras básicas, inclusive as referidas por nomes difíceis, como a tomada de peão en passant; o garde, como é conhecido o xeque da rainha (ou, como eu aprendi há pouco, da dama, que é como os enxadristas iniciados chamam a peça); e até o xeque pastor (como eu chamava o xeque que os iniciados denominam xeque-mate ou mate do pastor). Porém, nunca me dediquei a aprender a jogar xadrez, nem me interessei pela cultura enxadrística. Sabia, de ouvir falar, os nomes de alguns grandes mestres da história, como (José Raúl) Capablanca, Bobby Fischer e (Garry) Kasparov. Às vezes lia no jornal alguma notícia sobre o mundo enxadrístico, como o match entre Kasparov e supercomputador da IBM chamado Deep Blue ocorrido em 1996 (match é outra palavra que apreendi faz pouco, que significa o conjunto de jogos ou partidas entre dois jogadores em um campeonato ou evento), ou quando da morte do misterioso gênio Bobby Fischer em 2008, que, após dominar os tabuleiros por breve período nos anos 1960, teria desaparecido sem deixar vestígios.

Foi somente agora, aos 47 anos de idade, que decidi oficialmente me tornar um aprendiz de xadrez. Apesar de fazer pouquíssimo tempo, não sei bem como nem porque tomei essa decisão. O que sei é que começaram a pipocar no meu feed do YouTube vídeos sobre partidas de xadrez com títulos como "Magnus Carlsen atordoado pelo super-talento de 17 anos de idade Abdusattorov Nodirbek | World Rapid 2021", que está disponível neste link.  Eu não sabia quem era Magnus Carlsen, o norueguês que é o atual campeão do mundo e que, para muitos, é considerado o maior jogador de todos os tempos. Acho que os vídeos de xadrez caíram nas graças do algoritmo do YouTube pelo sucesso da série O Gambito da Rainha transmitida pelo Netflix. Que bom que tropecei nos vídeos de xadrez que o algoritmo do YouTube colocou em meu caminho.

O que despertou meu interesse não foi a complexidade do jogo, frequentemente associada a mentes privilegiadas; foi exatamente o oposto: ter percebido que há uma imensa comunidade de xadrez no Brasil e no mundo formada por pessoas comuns, como eu, que encontram no xadrez uma forma de entretenimento que possibilita a construção de relações humanas significativas entre os que nutrem o interesse comum. Percebi que o xadrez é divertido porque é altamente agregador. Quero dizer, diversão é algo altamente subjetivo, pois depende das preferências de cada um; porém, há um ingrediente que funciona como um fermento para nos divertirmos com alguma atividade: quando fazemos algo em conjunto com outras pessoas e aprendemos e ensinamos umas às outras, acumulamos uma experiência comum e passamos a dominar a terminologia utilizada pelos iniciados, brota o sentimento de pertencimento a um grupo e, junto com esse sentimento, passamos a nos divertir com a atividade comum. Jogar xadrez é uma atividade humana tão social quanto gostar de futebol, que muitos aprendem em casa com o pai. Mas não foi só isso. Percebi que a comunidade enxadrística é altamente inclusiva e convive com a diversidade de níveis dos amantes do jogo. Tudo o que testemunhei até agora foram manifestações de autêntico interesse pelo verdadeiro nível de desenvolvimento de cada um. Assisti vídeos de jogadores intermediários se submetendo a testes de nivelamento não para obter a maior nota (chamada de rating), mas para saber qual o seu real nível. Não há interesse na trapaça. Evidentemente, existem alguns trapaceiros que usam engines (que são programas que usam inteligência artifical para jogar xadrez) para ganhar jogos em plataformas como a Chess.com e o Lichess.org, mas estes não compartilham dos mesmos valores que alimentam os amantes do xadrez e são prontamente banidos das comunidades (e das plataformas) logo que são pegos trapaceando. Mesmo os grandes mestres (título oficial da FIDE cuja abreviação é GM) e os super grandes mestres (título não oficial que designa os GMs que ultrapassam a barreira de 2700 no rating FIDE, conforme o glossário de termos do Chess.com), que se dedicam ao xadrez profissional, mostram legítimo interesse e safisfação com o desenvolvimento dos outros jogadores, mesmo quando são ultrapassados. Assim como na vida, ganhar e perder faz parte do xadrez da mesma forma que ascender ou perder posições no ranking. Não é isso que move os jogadores. O que importa é o prazer de trilhar em grupo os percursos desenvolvidos pela história da arte enxadrística.

Para os iniciantes no xadrez que, como eu, não são fluentes na terminologia enxadrística e pouco experimentados no jogo, pode ser difícil perceber a beleza ou a complexidade de um determinado lance. Eu pessoalmente tenho dificuldade em analisar as possibilidades para o próximo lance escondidas no tabuleiro, que dirá, então, de análises de maior profundidade, que calculam os possíveis desdobramentos de diversos lances à frente. Nessa tarefa de calcular movimentos à frente, aprendi que as engines de hoje (das quais a mais famosa é o stockfish, que significa bacalhau em inglês, mas que é carinhosamente referida como peixe pelos especialistas brasileiros) estão à frente de qualquer ser humano e que até o melhor jogador de xadrez faz lances imprecisos ou errados. É isso que torna o xadrez interessante, o elemento humano, falível, capaz de mudar o rumo das partidas e levar a posições nunca antes jogadas (hoje em dia as bases de dados como as do Chess.com permitem comparar um jogo com todos os jogos até então jogados).

Sou professor por profissão. Ao longo de mais de duas décadas dedicadas ao ensino superior, sei que as pessoas aprendem não por decorar algo que não entendem e pelo que não se interessam. O primeiro passo é começar a fazer aquilo que se quer aprender. Afinal, aprende-se a caminhar, caminhando e a dançar, dançando. À medida que vamos fazendo, tomamos conhecimento do nosso estégio de desenvolvimento e passamos a questionar como podemos melhorar um pouquinho. Olhamos para os lados em busca de respostas e, assim, fazemos novos amigos e passamos a pertencer a um grupo. Gostamos do que estamos fazendo se percebemos que estamos avançando e que há mais pessoas caminhando conosco. Além disso, o percurso deve ser divertido, lúdico. Assim, nem percebemos que estamos aprendendo. Uma boa forma de aprender divertidamente o xadrez é assistir aos vídeos de influenciadores enxadristas, como Raffael Chess (Canal do Raffael Chess no YouTube) e Rafael Leite (do Canal Xadrez Brasil no YouTube), que comentam de forma divertida e instrutiva as partidas de xadrez. Percebi, inclusive, que se pode desenvolver um estilo mais literário para narrar as partidas.

Respondendo a pergunta do título deste post, acredito que aprender a jogar xadrez seja igual a aprender qualquer outra coisa. Aprende-se a jogar xadrez, jogando; e se interessando pela terminologia, pelas histórias, pela técnica, se divertindo e compartilhando o interesse com os demais membros da comunidade de exadristas. Quem fizer isso pode não vir a se sagrar campeão mundial, mas estará seguindo uma receita infalível para um ótimo entretenimento!

Assinado LeBonChess

 

 

Um blog para todos aqueles que gostam do bom xadrez e das suas histórias.