
Kirill Shevchenko é banido por 3 anos após incidente de trapaça e admite ter escondido o celular
O GM Kirill Shevchenko, 75º do mundo, recebeu uma suspensão mundial de três anos do xadrez, com um ano da sanção suspenso, permitindo seu retorno às competições em outubro de 2026. O jogador de 22 anos confessou ter escondido um celular no banheiro, mas negou tê-lo usado para trapacear com assistência de uma engine.
A FIDE anunciou hoje que o grande mestre ucraniano foi considerado culpado de violar o Artigo 11.7(e) do Código Disciplinar da FIDE, após o escândalo durante o Campeonato Espanhol por Equipes em Melilha, o enclave espanhol na costa norte-africana, em 14 de outubro de 2024.
Na decisão da Câmara da Comissão de Ética e Disciplina (EDC, na sigla em inglês), composta pelo presidente David Hater e pelos membros Olga Baskakova e Alan Borda, Shevchenko poderá retornar às competições em 18 de outubro de 2026. A parte suspensa da sanção será estendida até 2027 caso ele reincida:
O Respondente foi sancionado com um banimento global de três (3) anos, sendo um (1) ano da sanção suspenso. Durante o período de suspensão, caso o Respondente cometa uma infração semelhante, ele será responsabilizado tanto pela parte suspensa da sanção quanto por qualquer outra penalidade imposta pela nova infração.
A decisão tornou Shevchenko o jogador de xadrez de mais alto nível a ser suspenso por trapaça pela entidade reguladora do xadrez. O jogador de 22 anos ocupa atualmente a 75ª posição no mundo e a segunda na Romênia, com um rating de 2653. Entre suas conquistas estão a vitória no Campeonato Europeu por Equipes de 2021 com a Ucrânia e um importante torneio de blitz à frente dos GMs Fabiano Caruana e Arjun Erigaisi.

O caso Shevchenko
O escândalo de trapaça envolvendo o grande mestre nascido na Ucrânia e que representa a Romênia causou grande impacto no mundo do xadrez no ano passado, quando um celular bloqueado, acompanhado de um bilhete instruindo para não tocá-lo, foi encontrado no banheiro do torneio.
A investigação do árbitro do torneio foi motivada por seu adversário na segunda rodada do evento, o GM Francisco Vallejo Pons, que reclamou ao árbitro que Shevchenko estava passando muito tempo longe do tabuleiro.
Preocupações também foram levantadas em particular pelo GM Bassem Amin, seu adversário na primeira rodada. Uma investigação subsequente revelou que um segundo celular havia sido encontrado no mesmo local no dia anterior.
Shevchenko foi expulso do torneio e, uma semana depois, recebeu uma suspensão de 75 dias no decorrer de uma investigação pela equipe de Fair Play da FIDE (FPL). A suspensão foi posteriormente estendida enquanto os procedimentos da EDC estavam em andamento, e Shevchenko não jogou mais desde então. Um mês depois, sua conta no Chess.com foi banida devido a uma violação de Fair Play.
Admissão de Shevchenko e fatores atenuantes
Shevchenko inicialmente negou qualquer infração e não respondeu publicamente às acusações. No entanto, de acordo com o relatório oficial do caso, ele admitiu com "profundo arrependimento" ter escondido um celular no banheiro:
No mesmo dia, o Respondente enviou um e-mail para a Comissão de Ética e Disciplina da FIDE, admitindo, com o mais profundo arrependimento, que usou um celular durante a partida contra Vallejo Pons em 13 de outubro de 2024.
No entanto, Shevchenko mantém que, embora tenha usado o celular para acessar a plataforma de xadrez Lichess, ele não "trapaceou efetivamente" e nega que suas ações tenham tido qualquer influência em suas partidas, afirmando que "não completou o ato de trapaça."
"Neste caso, é evidente que as tentativas desajeitadas do GM Shevchenko de usar um dispositivo eletrônico para trapacear não foram eficazes, e o comportamento do jogador — embora repreensível — não influenciou o resultado das partidas que ele estava jogando", escreveu seu advogado.
É evidente que as tentativas desajeitadas de Shevchenko de usar um dispositivo eletrônico para trapacear não foram eficazes, (...) e não influenciaram o resultado das partidas que ele estava jogando.
—Sabin Gherdan, advogado de Kirill Shevchenko
De acordo com uma análise do IM Kenneth Regan, professor americano e renomado especialista em trapaças no xadrez, não houve "nenhum desvio padrão no desempenho do jogador neste torneio específico em relação ao seu típico rating performance." Em outras palavras, segundo Regan, nada nas partidas indica o uso de uma engine de xadrez.

Decisão da EDC: 'A trapaça é uma ameaça existencial'
Ao determinar a sentença, a EDC considerou vários fatores atenuantes apresentados pela defesa de Shevchenko. Ele afirma que cooperou totalmente com a investigação, admitiu o erro de forma oportuna e tinha um histórico disciplinar limpo. O painel também observou que viu evidências em vídeo de Shevchenko recebendo ameaças de morte e que seu estado mental foi afetado pelas ameaças à sua família relacionadas à guerra na Ucrânia.
O mais importante é que a EDC concluiu que Shevchenko de fato escondeu um celular no banheiro e também concluiu que ele tentou trapacear, mas não foi capaz de determinar, com conforto e satisfação, que houve de fato trapaça. Eles também observaram que não há evidências de trapaça em eventos anteriores.
No entanto, a EDC foi clara quanto à gravidade da infração, observando:
Como já foi mencionado, o fato de que a trapaça real não tenha ocorrido pode ser relevante para a sanção, mas é irrelevante na determinação da culpa. A tentativa de trapaça viola o artigo 11.7 (e). A trapaça é uma ameaça existencial para as competições de xadrez e deve ser tratada de forma severa. Mesmo uma tentativa de trapaça é repreensível e deve ser condenada de forma inequívoca, com sanções aplicadas para desmotivar outros e proteger o nosso jogo.
A trapaça é uma ameaça existencial para as competições de xadrez e deve ser tratada de forma severa.
—Comissão de Ética e Disciplina da FIDE
A EDC argumentou contra a revogação do título de grande mestre de Shevchenko, como foi solicitado pela Comissão de Fair Play da FIDE, devido ao que consideraram ser "fatores atenuantes significativos":
Se os fatores atenuantes neste caso não são motivo suficiente para não retirar o título, torna-se difícil compreender quais fatores atenuantes justificariam não retirar o título. Dado que o padrão é "pode", parece que este respondente tem um forte argumento para que a discrição seja aplicada neste caso, embora na maioria dos casos o título seja efetivamente retirado, mesmo que o título de GM tenha sido obtido de forma justa.
O veredicto provavelmente não levará a reações da comunidade do xadrez. O caso mais notável é o do falecido ex-grande mestre, Igors Rausis, que em 2019 foi banido por seis anos e destituído de seu título, após ser pego com um telefone durante um torneio na França.
Outro caso de grande destaque foi o do IM Gaioz Nigalidze, que foi banido por três anos e também teve seu título de GM retirado após ser pego trapaceando com um dispositivo eletrônico durante o Dubai Open. Um caso mais recente foi o do IM belga Stefan Docx, que recebeu uma suspensão de um ano por se recusar a passar por uma inspeção corporal durante um incidente na Espanha.

A Comissão de Fair Play já indicou que pode entrar com um recurso, afirmando: "Qualquer penalidade por violações de fair play deve servir como um forte fator de dissuasão, reforçando a postura de tolerância zero da FIDE em relação à trapaça", disse Andrew Howie, presidente da Comissão de Fair Play da FIDE
"Esta decisão parece muito branda e não reflete totalmente o nosso compromisso com a integridade no xadrez. Vamos revisar cuidadosamente o caso e determinar se apresentaremos um recurso dentro do prazo estipulado."
Esta decisão parece muito branda e não reflete totalmente o nosso compromisso com a integridade no xadrez.
—Andrew Howie, presidente da Comissão de Fair Play da FIDE
Resposta de Shevchenko: 'Ameaças de morte e pressão extrema'
Os advogados de Shevchenko, Sabin Gherdan, da Gherdan & Associates, e a Dra. Madalina Diaconu, por outro lado, expressaram decepção com a severidade da sanção.
Em uma declaração fornecida ao Chess.com refletindo sobre sua avaliação profissional e técnica da decisão, eles argumentaram que quase todos os fatores atenuantes estavam presentes no caso de Shevchenko, ainda assim ele recebeu a pena máxima recomendada para um infrator primário.
"Esperávamos uma sanção menos severa, dadas as circunstâncias específicas do caso", declarou a equipe jurídica. "As Diretrizes da FIDE recomendam uma sanção máxima de três anos para um infrator primário. No nosso caso, quase todos os fatores atenuantes estavam presentes, o que é uma ocorrência rara na prática. No entanto, a sanção máxima recomendada pelas Diretrizes foi imposta, como se esses fatores atenuantes não tivessem efeito prático."
Esperávamos uma sanção menos severa, dadas as circunstâncias específicas do caso.
—Equipe jurídica de Kirill Shevchenko
Eles também observaram que a EDC confirmou que o ato não foi consumado e que a análise do Professor Regan não encontrou desvios estatísticos no desempenho de Shevchenko durante o torneio. Eles também afirmaram que o jogador de 22 anos estava sob "pressão psicológica extrema" devido a "ameaças de morte" que recebeu.
Embora reconheçamos a gravidade da infração, é importante enfatizar que nosso cliente estava sob extrema pressão psicológica na época, tendo recebido ameaças de morte credíveis, incluindo vídeos mostrando armas de fogo, originadas de indivíduos localizados perto do local do torneio, fazendo referência explícita à sua localização em Melilha. Essas ameaças eram reais e graves e, em nossa opinião, deveriam ter sido devidamente consideradas pela Comissão de Ética e Disciplina da FIDE como motivos fortes para a imposição de uma sanção mais leve.
A equipe jurídica de Shevchenko disse que está considerando seriamente um recurso, que deve ser apresentado dentro de 21 dias. Eles também não descartam a possibilidade de levar o caso ao Tribunal Arbitral do Esporte.
O Chess.com também entrou em contato com a Federação Romena de Xadrez para um comentário sobre esta história