
O Xadrez na Idade Média
Luiz Jean Lauand é um matemático e professor da Faculdade de Educação da USP. Ele é o autor do livro “O Xadrez na Idade Média”, da editora Elos, com 121 páginas, publicado em 1988.
A obra, conforme assinalado pelo autor na Introdução, tem como objetivo apresentar a origem do xadrez no Ocidente. Inicialmente, a Índia foi o berço do ancestral mais antigo do xadrez, o chaturanga, palavra do sânscrito que significa “quatro elementos”, porque as peças desse jogo de tabuleiro eram inspiradas nos quatro componentes do exército indiano da época: infantaria, cavalos, elefantes e carros de guerra. O chaturanga foi descoberto pelos persas, que lhe deram o nome de shatranj, e em seguida pelos árabes, quando estes conquistaram a Pérsia (naquela altura, correspondente ao Império Sassânida, e, atualmente, correspondente ao Irã). Foi por intermédio dos árabes que o jogo chegou na Europa e, lá, com o tempo, as peças foram adaptadas para representar a sociedade medieval.
Em particular, a região onde hoje fica a Espanha, que por séculos teve parte de seu território ocupada por muçulmanos vindos do norte da África (os mouros), destacou-se no processo de assimilação do shatranj. O historiador Richard Eales, em Chess: The History of a Game, citado por Lauand, escreve: “[...] o jogo entrou pela Espanha como parte do intercâmbio cultural geral entre muçulmanos e cristãos na península [...]”, e estima o século X como “data” desse acontecimento. Como provas a favor dessa narrativa, Lauand menciona o Libro del Acedrex, escrito em 1283 pelo rei de Castela e Leão Afonso X, o Sábio, que chama de Alfil (com origem nas palavras persa e árabe para “elefante”) a peça que nós chamamos de Bispo; de Alferza (das palavras persa e árabe para “vizir”) a peça que nós chamamos de Dama; e de Roque (das palavras persa e árabe para “torre”) a peça que nós chamamos de Torre.
Ou seja, várias palavras presentes no Libro del Acedrex — que, em sua época, foi o principal tratado europeu sobre o jogo — tem origem em palavras semelhantes dos idiomas persa e árabe. Isso está de acordo com a hipótese de que o xadrez ocidental é uma nova versão de um jogo mais antigo que era praticado pelos árabes e, antes destes, pelos sassânidas. E Lauand afirma que o que aconteceu com o xadrez na Europa é o que sempre acontece em qualquer lugar quando uma nova realidade cultural, um jogo por exemplo, é introduzida: inicialmente, o vocabulário é preservado e, mesmo depois de as palavras serem adaptadas para o idioma local, alguns traços do idioma original sobrevivem.
Ilustração do Libro del Acedrex mostrando um judeu à esquerda e um muçulmano à direita jogando
Lauand dá, como exemplo, o caso da introdução do futebol (do inglês football) no Brasil. Até hoje falamos pênalti (de penalty) para nos referir à penalidade máxima do esporte. E, antigamente, falávamos corner, goalkeeper e offside para escanteio, goleiro e impedimento, respectivamente. Algumas palavras tiveram sua escrita aportuguesada, como futebol e pênalti, e outras foram traduzidas, mas ainda restam vestígios do idioma original em nosso idioma. Da mesma maneira, os árabes herdaram várias palavras dos persas, e os europeus, dos árabes.
A Península Ibérica foi, então, uma porta de entrada para o shatranj na Europa. Em castelhano, o nome “al-shatranj” (o “al” na frente equivale ao artigo definido “o” em português) foi adaptado para acedrex, evoluindo, com o tempo, para o atual ajedrez. O fato de um rei, Afonso X, ter se dedicado a escrever um livro sobre o assunto resume a importância dada a ele pela sociedade da época. O historiador Harold Murray, em A History of Chess, citado por Lauand, afirma que, na Idade Média, o xadrez atingiu uma popularidade nunca igualada no futuro. Embora também tenha sofrido perseguição — o caso mais famoso é o da proibição do jogo por Luís IX, o rei cruzado da França, que, habituado a batalhas de verdade, considerava o xadrez um jogo inútil e tedioso —, acabou ganhando respeito e sendo considerado parte de uma educação integral, especialmente entre a nobreza.
É importante destacar que, nos dias de Afonso X, o xadrez ainda diferia do que é praticado hoje em dia. As diferenças, que são principalmente entre a antiga Alferza e a atual Dama e entre os antigos Alfiles e os atuais Bispos, são apresentadas no Capítulo 2 do livro de Jean Lauand, e no Capítulo 3 são fornecidos exemplos de problemas e de partidas da época.
O Capítulo 4 discorre sobre a literatura enxadrística medieval, que não se limitou ao texto afonsino. Murray apud Lauand classifica essas obras em: 1) obras didáticas, 2) obras morais e 3) coleções de problemas.
Entre as obras didáticas, dedicadas ao ensino do xadrez (geralmente de maneira não tão sistemática, pois os autores se preocupavam mais com a qualidade literária do que com a tecnicidade de seus textos), destaca-se o Poema de Deventer, cujo manuscrito mais antigo que se conhece é do século XIII, de autoria desconhecida. O livro de Lauand contém esse texto traduzido para o português.
Entre as obras morais, nas quais o xadrez é utilizado como metáfora para transmitir lições de moralidade, destaca-se a obra Moralitas de Scaccario, também de autoria desconhecida. O livro de Lauand também contém esse texto traduzido para o português.
Finalmente, entre as coleções de problemas, destaca-se a obra de Afonso X, o Libro del Acedrex.
No sexto e último capítulo do livro de Jean Lauand são apresentados exemplos de problemas selecionados da obra de Dom Afonso.
A obra de Lauand é um livro muito interessante para se conhecer o desenvolvimento inicial do xadrez a partir dos jogos anteriores, além de ser uma oportunidade para expandir nossa cultura acerca do medievo.
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